segunda-feira, 10 de junho de 2013

UMA CARTA QUE DÁ QUE PENSAR !...


... que nos enviaram !...
APLAUDO  O  DESASSOMBRO  E  A CORAGEM !!!
Para um GRANDE,  o meu  aplauso …DE PÉ !...
Senhores Ministros:
 


Tenho 86 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país pela forma
 como o representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros, sem
 pedir nada em troca senão respeito, consideração, abertura – sobretudo
 aos novos talentos – e seriedade na forma como o Estado encara o meu
 papel como cidadão e como artista.
 

Vivi a guerra de 38/45 com o mesmo cinto com que todos os portugueses
 apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48
 anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o
 qual sempre tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos, os
 condicionamentos da descolonização. 

Vivi o 25 de Abril com uma
 esperança renovada, e alegrei-me pela conquista do voto, como se isso
 fosse um epítome libertador.
 Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma que melhor
 sei, porque para tal muito trabalhei.  

Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos utilizaram
 para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro pelo
 respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo
 desencanto das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção,
 porque todos vós sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem
 pintado o panorama cultural português.
 

Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor… e comigo, todos os meus
 colegas Actores e restantes Artistas destes país – colegas que muito
 prezo e gostava de poder defender.
 Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante.
 

Francamente, não sei para que servem as comendas, as medalhas e as
 Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
 

Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu direito a
 não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças,
 que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os
 olhos baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que
 não tenho direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na
 lei, e que o meu trabalho não pode ser considerado como propriedade
 intelectual.
 

Tenho pena de ter chegado a esta idade para assistir angustiado à
 rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura
 portuguesa. Estamos a reduzir tudo a zero… a zeros, dando cobertura a
 uma gigantesca transferência dos rendimentos de quem nada tem para os
 que têm cada vez mais.
 

É lamentável e vergonhoso que não haja um único político com
 honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade
 entre a incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa
 vontade, para conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de
 quem, afinal de contas, já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de
 Portugal: nós todos!  

É infame que o Direito e a Jurisprudência Comunitárias sirvam só para
 sustentar pontualmente as mentiras e os joguinhos de poder dos
 responsáveis governamentais, cujo curriculum, até hoje, tem
 manifestamente dado pouca relevância ao contexto da evolução
 sociocultural do nosso povo. 

A cegueira dos senhores do poder
 afasta-me do voto, da confiança política, e mais grave ainda, da
 vontade de conviver com quem não me respeita e tem de mim a imagem de
 mais um velho, de alguém que se pode abusiva e irresponsavelmente
 tirar direitos e aumentar deveres.
 

É lamentável que o senhor Ministro das Finanças, não saiba o que são
 Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor
 das suas interpretações – com diretos conexos, e que um intérprete
 e/ou executante não rege a vida dos outros por normas de Exel ou por
 ordens “superiores”, nem se esconde atrás de discursos catitas ou
 tiradas eleitoralistas para justificar o injustificável,
 institucionalizando o roubo, a falta de respeito como prática dos
 governos, de todos os governos, que, ao invés de procurarem a
 cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária para
 fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem
 verdadeiramente trabalha.
 

Acima de tudo, Senhores Ministros, o que mais me agride nem é o facto
 dos senhores prometerem resolver a coisa, e nada fazer, porque isso já
 é característica dos governos: o anunciar medidas e depois voltar
 atrás. Também não é o facto de pôr em dúvida a minha honestidade
 intelectual, embora isso me magoe de sobremaneira. É sobretudo o nojo
 pela forma como os seus serviços se dirigem aos contribuintes,
 tratando-nos como criminosos, ou potenciais delinquentes, sem olharem
 para trás, com uma arrogância autista que os leva a não verem que há
 um tempo para tudo, particularmente para serem educados com quem gera
 riqueza neste país, e naquilo que mais me toca em especial, que já é
 tempo de serem respeitadores da importância dos artistas, e que devem
 sê-lo sem medos e invejas desta nossa capacidade de combinar verdade
 cénica com artifício, que é no fundo esse nosso dom de criar, de ser
 co-autores, na forma, dos textos que representamos.
 

Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um conselho:
 aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já.
 Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é
 digna do maior respeito… porque quem não consegue respeitar, jamais
 será merecedor de respeito!


RUY DE CARVALHO

  
Dá que pensar:

Se o Ruy de Carvalho,   artista distinguido pelo estado   com   comendas , medalhas e ordens ,  se vê  na necessidade  de  escrever uma carta  destas, que carta deve escrever Zé, que está desempregado e em casa tem mulher e filhos para sustentar ?

...E não haverá mais nada a fazer do que escrever cartas ???


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