sexta-feira, 20 de setembro de 2013

...PARECE UM FILME !...

por
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
2013-09-09
Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres.
Frequentemente emigrava e procurava vida melhor noutras terras.
E os patrões, franceses ou alemães, suíços ou americanos, gostavam dele, por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente.
Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o.
Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco.
Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra.
Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados.
A opressão acabara e ele podia regressar, para viver rico e feliz na sua própria casa.
E Portugal voltou, porque já não seria preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente.
Era um país democrático, livre, independente.
A nova geração iria viver como os patrões franceses e alemães.
E Portugal gastou.
Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez planeamento económico, exigiu escolas e hospitais.
Só que a euforia da liberdade política criou um problema de endividamento.
Quatro anos após regressar, Portugal estava falido, com o FMI à porta, exigindo pagamento.
O choque foi grande.
Portugal compreendeu que, afinal, não era como os patrões europeus.
Estava tão desgraçado como os mexicanos, os argentinos, os gregos e outros países da dívida.
O buraco era enorme.
Não havia solução.
Foi então que Portugal se lembrou de seus pais, pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes.
E perante a austeridade do FMI, Portugal esforçou-se, apertou o cinto, labutou, amealhou e pagou as dívidas.
Os países credores não acreditavam que fosse possível a recuperação, enquanto os dirigentes e políticos bramavam contra a nova ditadura do dinheiro e exigiam direitos.
Mas Portugal não quis ouvir e, uns anos depois, tinha a casa em ordem.
Foi espantoso!
Os europeus, admirados, gostaram de Portugal, por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente.
Quando o viram de novo com as contas certas e a vida organizada, aumentaram-lhe o ordenado, ofereceram-lhe sociedade.
Portugal entrou na CEE.
Jantou com os antigos patrões, de igual para igual.
Passou a ser europeu.
Até que um dia Portugal recebeu uma boa notícia.
Os seus esforços tinham sido recompensados e ele fora admitido na moeda única.
A partir de agora iria partilhar não apenas instituições e directivas, mas taxas de juro e crédito.
Era finalmente um parceiro a sério, considerado mesmo igual.
Pertencia ao clube, não apenas político, mas financeiro.
Podia viver rico e feliz na sua terra.
E Portugal achou que já não seria preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente.
A nova geração iria viver como os parceiros franceses e alemães porque, graças ao euro, pedia dinheiro emprestado nos mesmos bancos e aos mesmos preços.
Casaria até a filha com o filho deles.
Era um país desenvolvido, capitalista, globalizado.
E Portugal gastou.
Construiu auto-estradas, fez parques industriais, exigiu computadores para todos os alunos e novas carreiras médicas.
Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento.
Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento.
O choque foi grande.
Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos.
Estava tão desgraçado como irlandeses, gregos, argentinos e outros países da dívida.
O buraco era enorme.
Não havia solução.
Então Portugal lembrou-se de seus pais e avós, pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes.
A nova geração voltou a velhos hábitos.
Agora, perante a austeridade da troika, Portugal esforça-se, aperta o cinto, labuta, poupa e paga as dívidas.
Os credores não acreditam que seja possível a recuperação, enquanto os dirigentes bramam contra a ditadura do dinheiro e exigem direitos.
Mas Portugal não quer ouvir.
Labuta, amealha, emigra e procura vida melhor noutras terras.
E os patrões, franceses ou alemães, suíços ou americanos, gostam dele por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente.
Parece um filme!

Sem comentários:

Enviar um comentário