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Assunto: A Industria dos incêndios - José Gomes
Ferreira
A evidência salta aos olhos: o país está a arder
porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele
arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a
beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.
Oficialmente,
continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria
dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a
negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários
seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não acontece por acaso.
Vejamos:
1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em
Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que
acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é
que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes
imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após
tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para
comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de
aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para
combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos
helicópteros sem estarem adaptados
ao combate a incêndios?
Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses
para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem
grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor
aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi
detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo
posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações
económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos
jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente,
podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já
estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação
chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver
reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a
arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes
espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda
continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos
da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de
bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da
Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões
generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas
imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo
viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi
aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse
tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as
habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto
perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com
sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a
exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.
Há uma
indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma
organização comum mas têm o mesmo objectivo
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destruir floresta porque beneficiam com
este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e
deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios
o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário,
outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta,
durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o
que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto,
agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona
ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor
dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste
tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de
bombeiros por todos os meios.
Com uma noção clara das causas da tragédia e com
medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a
paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo
continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a
breve prazo.
José Gomes Ferreira